terça-feira, 22 de março de 2011

"Reflexos"


Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “4 Faces”
Técnica/  Bronze
Medida/  64x35cm 


Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Sentadas no muro” 
Técnica/  Mista s/ tela
Medida/  120x150cm



Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Pincelada vermelha” 
Técnica/  Óleo s/ tela
Medida/  33x41cm



Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Mergulhão” 
Técnica/  Calcário da Turquia
Medida/  157x35x35cm

Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Squeezing the ocean I”
Técnica/  Óleo s/ tela 
Medida/  50x50cm

Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Squeezing the ocean II”
Técnica/  Óleo s/ tela 
Medida/  50x50cm



Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Sardinha na boca”
Técnica/  Grafite s/ papel
Medida/  200x100cm 



Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Swallowing the bird”
Técnica/  Calcário / Alumínio 
Medida/  36x60x60cm




Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Wetsun Glasses”
Técnica/  Mista s/ tela 
Medida/  60x150cm



Artista/  Gustavo Fernandes
Título/  “Sardinha na boca” 
Técnica/  Óleo s/ tela
Medida/  60x150cm


Entrevista a Gustavo Fernandes por Nídia Faria

Gustavo Fernandes tem quarenta e seis anos, é autodidacta e um mestre na arte surrealista e hiper-realista. Com um pé no Canadá e outro em Portugal, já era pintor muito antes de iniciar a sua formação na área. Chegou a frequentar a Escola de Belas Artes em Montréal, bem como o programa de Artes Plásticas e Gráficas de Dawson College. Porém, foi do retratista Francisco de Oliveira que recebeu a inspiração de que realmente precisava. Pintor de profissão, escultor de alma, Gustavo Fernandes estreia-se na AZO com mais uma mostra provocadora e audaciosa.

“A emoção é mais importante para qualquer pintura do que contar uma história.”

O artista recebeu-nos no seu atelier, um espaço rico em luz e arte, improvisado no rés-do-chão da sua vivenda. Aí, um arco-íris de tintas se mescla em cada palete e de cada obra transpira a inspiração surrealista. Aos dezasseis anos foi viver sozinho para o Canadá e entregou-se ao desenho e à pintura, tendo a sua primeira exposição o sabor de um Abstraccionismo experimental. Na faculdade aperfeiçoou a sua técnica e rendeu-se ao Surrealismo. Hoje, admite conceber uma arte algo esquizofrénica, que viaja entre o surreal e o hiper-real. O contemplador é seduzido pela beleza das paisagens, das ruínas e do corpo feminino. Num jogo de véus e cortinas, o pintor esconde o rosto humano ou mascara-o com um focinho animal. Prefere pintar emoções e sensações em vez de histórias, psiques em vez de identidades. Perito na arte da imaginação e com um cativante poder de sugestão, Gustavo oferece ao público uma mostra artística provocadora que ficará na AZO até dia quinze de Abril.

1. Pinta há quanto tempo?

Nunca deixei de pintar, desde que me lembro. Desenho desde criança. Fiz algumas pausas, mas desenhei sempre. Posso dizer que comecei oficialmente a pintar por volta dos dezasseis anos. Pintar era a minha profissão.

2. Como é que isso aconteceu?

A minha família foi para o Canadá, tinha eu onze anos. Quando os meus pais voltaram para Portugal, levaram os seus três filhos mais novos. Eu era um deles. Só que estivemos lá cinco anos, e quando regressei a Portugal não quis cá ficar. Estive só um ano e depois regressei ao Canadá, sozinho. De início a ideia não agradou aos meus pais, mas acabou por ser assim e naturalmente a aceitação veio a seguir.


3. Conseguia sustentar-se já com essa idade?


Muito mal. Fui para uma moldureira trabalhar, mas estive lá pouco tempo. Depois comecei a tentar sobreviver da pintura. Tive alguma sorte.

4. Por essa altura estava no secundário? Em artes?

Em Portugal eu andava no American International School. Naquela altura gostava mais de pintar do que de estudar. Já em Montréal terminei o liceu e ingressei na faculdade para poder fazer os cursos que me interessavam, de artes. Mas já pintava muito e já expunha.

5. Não teve receio de se dedicar só à pintura? Pintar tanto pode dar sustento como não… Depende-se do talento, da sorte…

Naquela altura eu não tinha medo de nada, primeiro, e depois nem pensava nisso. Fazia aquilo que me apetecia, basicamente. Seguia muito o meu instinto. Completamente. E pintava simplesmente porque tinha aquela necessidade de pintar, de esculpir e de fazer coisas diferentes.


6. E começou com o Realismo, ou atreveu-se logo a experimentar o Surrealismo?

Não, eu comecei com o abstracto. Comecei a experimentar tintas, texturas. Eu nem sequer estudava outros pintores, não tinha influências nenhumas de fora, de escolas, de nada. E daí haver talvez uma faceta na minha pintura muito abstracta e muito própria.

7. Só quando entrou para Belas Artes na faculdade é que começou a ganhar referências e a ter pintores preferidos, não?

Sim, e comecei a melhorar o meu trabalho e a tornar a coisa mais séria, a tentar fazer exposição com mais coerência, com mais conteúdo. Fui muito influenciado por Salvador Dali, por Francis Bacon, por Miguel Ângelo, e por Goya, também. Hoje em dia já não posso dizer isso, porque tenho influência de pintores que ninguém conhece - ilustres desconhecidos hiper-realistas. Sigo os seus trabalhos e as suas técnicas pela internet e tiro ideias… Tento fugir às referências mais universais e ter um trabalho muito próprio, mas há sempre, quer queiramos quer não, influências, nem que sejam no subconsciente, que nos levam a fazer determinado tipo de trabalho. O Hiper-realismo (foto-realismo), para mim, é uma influência forte, embora eu esteja neste momento a tentar fugir um bocado a isso por ser uma técnica muito trabalhosa. No fundo, há uma espécie de esquizofrenia no meu trabalho. Eu sempre misturei hiper-realismo e surrealismo. Gosto muito de fazer as duas coisas: desenhar a realidade e transformar a realidade.

8. Pode-se dizer que se formou em desenho e pintura, essencialmente?


Não. Eu diria que sou autodidacta. Completamente. Acho que até aprendi mais com os alunos do que com os professores. O que me chamou mais à atenção foi perceber em que mundo é que eu me estava a inserir. Não foi propriamente a técnica da pintura ou os temas. Foi mais o negócio da arte. Que mundo é este e como vai ser no futuro.


9. Enquanto trabalha, em que ambiente se concentra melhor? Precisa de silêncio, de música ambiente, prefere estar sozinho, acompanhado, fora de casa, dentro de casa?


Dentro de casa, absolutamente. Muita luz, absolutamente. Gosto de estar sozinho, mas também gosto de estar acompanhado, porque isto é uma profissão muito solitária, mais do que parece. Gosto muito de trabalhar com música, mas há momentos em que prefiro o silêncio. Acho que a música tem de ter a ver com aquilo que estamos a pintar no momento. Preciso de música boa. Gosto de Jazz, mas não para pintar. É pouco rítmico. Com reggae já consigo, e gosto.

10. Aposta mais na pintura do que na escultura. Porquê?


Isso tem uma razão de ser… Eu adoro fazer escultura. Se calhar até mais do que pintura, só que o meu mundo sempre foi mais dedicado à pintura, e a escultura tem um grande inconveniente. Tem sempre um investimento muito grande por trás. E, se corre mal, lá vai o trabalho todo ao ar. Depois, a parte comercial torna-se complicada, porque as galerias levam comissões, a produção da escultura demora, bem como todo o trabalho envolvido, e, quando chegamos ao fim, o lucro que podia dar uma peça de escultura é reduzido em comparação à pintura. E eu tenho de ter sempre essa componente em conta, porque eu vivo disto, não é? Infelizmente faço pouca escultura.


11. Quando é que a escultura deixou de ser um hobby? E a fotografia? Encara-a como um hobby?


A fotografia nem posso considerá-la um hobby. Eu não sou fotógrafo, nunca me dediquei a isso a cem por cento. Quanto muito, utilizo a fotografia para trabalho, como referência para a pintura. A escultura deixou de ser hobby. Faz parte da minha obra. Eu sempre fiz uma escultura ou outra durante a minha carreira, mas só há dois ou três anos para cá é que comecei a fazer escultura a sério. Sempre tive essa paixão, mas não me dei ao trabalho porque estava sempre ocupado a pintar. Um dia, decidi. Quando fiz a minha primeira escultura a sério cheguei à conclusão que era mais fácil para mim esculpir do que pintar. Eu devia era ter sido escultor toda a vida! Preferia. Tenciono inclusive fazer mais escultura e menos pintura. O problema é que toda a infra-estrutura do atelier está preparada para a pintura. Suja muito, requer máquinas, é complicado.


12. A propósito, existem duas telas na corrente exposição onde pintou a boca de uma mulher a morder uma sardinha - uma delas a cores e a outra, suponho, a grafite. De onde lhe surgiu a inspiração para tal obra? Gosta de sardinhas?


Por acaso não gosto! Eu explico. A modelo já tinha feito uma fotografia anterior para uma pintura que eu fiz, em que ela estava a morder uma uva - essa obra era para a tal exposição no museu do vinho da Bairrada -, e ela tinha uma boca muito sensual. Eu achei curioso tentar fazer um contraste entre uma coisa sensual e uma coisa repugnante, que é a sardinha crua. A modelo teve mesmo de morder a sardinha para a fotografia. Fizemos umas cento e tal fotos em duas horas.

13. Sei que dá aulas de pintura neste atelier. Quando é que começou a ensinar?


Comecei a dar aulas em 1991. Dei aulas durante uns tempos e depois parei. Precisava de tempo para mim. Agora, há pouco tempo, recomecei. Dou aulas aqui há cerca de um ano e meio, dois anos.


14. Gosta mais de pintar ou de ensinar?


Gosto de ambas, mas, se de facto tivesse de optar, seria pela pintura.


15. No dia da inauguração da sua exposição na AZO, explicou-me que as obras escolhidas não seguiam nenhum fio condutor por não pertencerem à mesma fase. Qual o motivo que o levou a escolher aquelas pinturas em específico?


Houve vários motivos. Um deles é que eles minimamente se enquadrassem uns com os outros, mesmo vindo de colecções diferentes. E há que ver que as obras não foram só escolhidos por mim, mas também pelo responsável pelas exposições de arte no espaço AZO e pela minha RP. A escolha partiu de um culminar de ideias.

16. O que pretende comunicar com a sua obra?


A verdade é que nem todas as obras têm de ter uma explicação lógica. É uma emoção que se pretende criar ou passar. Há obras que chamam a atenção, seja pela sensação de absurdo, seja pelo que for. A emoção é mais importante para qualquer pintura do que contar uma história.


17. Teve uma formação profissional sob a orientação do retratista Francisco de Oliveira…

Esse ensinou-me muito. Muitas coisas importantes..

17.1. E, contudo, desenha raramente o rosto humano. Tem uma presença muito feminina nas suas obras e é curiosa a forma como as retrata. Ou surgem sem cabeça, como que estátuas em ruína, ou o rosto é escondido por um véu ou por um objecto. Ainda assim, por regra, o artista atribui-lhe não um rosto mas um “focinho”, seja de gato, de serpente, ou de insecto. Porquê?

Eu não ponho o rosto nas figuras porque gosto de representar uma figura na sua psique e não na sua fisionomia. Ao esconder o rosto com um objecto ou ao alterá-lo com uma cabeça de animal estou a criar uma psique. Estou a fazer um retrato psicológico dessa pessoa. A borboleta, por exemplo, é uma criatura suave, inocente, gentil. A louva-deus já não é bem assim. É a mulher-carnívora. Mas as mulheres são um bocado assim. Consomem o homem. (risos) Já a mulher-gato é bela, mas ainda assim um bocadinho traiçoeira.

18. Teve uma fase em que pintava ruínas, esferas, árvores, e nunca pude deixar de sentir que jogava com a ideia da passagem do tempo… O que o atrai nesses símbolos? O que representam para si?


São peças mais antigas e algumas delas temáticas, feitas para exposições específicas. A minha obra está quase toda relacionada com a ecologia e o tempo. Eu sou fã de alguns crânios como o Einstein, com a sua teoria da relatividade, ou o Carl Sagan, com as suas teorias sobre o universo. A minha obra baseia-se um bocado nesses conceitos de tempo, de corrosão. Depois, tem a componente ecológica. Daí o céu, o mar, as árvores. O fogo também aparece, mas não quero dar uma carga negativa à minha obra. Não é esse o objectivo. Para além disso, sou um perfeccionista naquilo que faço e, para mim, a esfera e o cubo são duas formas perfeitas. Utilizo-as muito. Quando ponho o céu ou o mar dentro de um cubo ou de uma esfera, estou a chamar-lhe de perfeito. As ruínas fascinam-me. Simbolizam a passagem do tempo. As cortinas ou os véus representam o vento, o movimento do planeta. O mar sempre me fascinou. Adoro o mar. Também é movimento, e tem a ver com o início da vida. Já o corpo feminino é uma situação mais humana. Eu represento muito a ecologia, mas raramente insiro a figura humana. Se o faço, normalmente represento a mulher, porque o corpo feminino é realmente muito bonito e muito agradável de pintar.


19. Considera o Surrealismo uma corrente artística compreendida e apreciada em Portugal?


Não. Nem por isso. Aliás, Portugal é um país que está muito atrasado em relação à apreciação da arte em geral. A arte é uma coisa tão importante… Todos os objectos que nos rodeiam têm um componente artístico. Quantas pessoas se apercebem disso? Quanto à questão do Surrealismo, concretamente, dentro do mundo dos críticos e dos artistas, dos entendidos, em Portugal, que não são muitos, eu posso dizer o seguinte. A arte compreendida no país, neste momento, é muito abstracta, muito pouco realista, e é uma arte que é moda. Noutros países mais desenvolvidos artisticamente, como os Estados Unidos, a Alemanha, a França, essa arte já passou há vinte anos e já saiu de moda, e por isso já estamos no surrealismo outra vez. Portanto, estamos em atraso esses vinte anos na compreensão e apreciação artística.


20. Começou a expor em Montréal, Canadá, onde inclusive teve formação anos antes em artes plásticas e gráficas. Recorda-se da sua primeira exposição?


Sim, eu nunca mais me esqueço da minha primeira exposição porque foi totalmente organizada por mim, sem ajuda de ninguém. Eu virei-me do avesso para conseguir fazer aquela exposição. Tinha dezasseis anos e vivia em Montréal, num apartamento décimo segundo andar. Decidi fazer uma exposição e não tinha nenhuma galeria que me apoiasse. Pedi dinheiro emprestado a amigos para fazer as molduras, os convites, uma data de coisas. Depois pedi emprestada a sala de condomínio do prédio, montei uns focos nos pés das obras para ganharem uma luz mais interessante, arranjei umas placas de madeira pintadas de branco para segurar os quadros, porque não podia furar as paredes. Fiz uma exposição com trinta e tal obras. Convidei todas as pessoas do meu prédio e dos prédios em volta, deixei convites nas caixas de correio, convidei toda a gente que conhecia e vendi metade da exposição. Paguei as dívidas e ainda fiquei com dinheiro para fazer uma próxima.


21. Enquanto artista, quais as três palavras que melhor o definem?

Sou ousado, rebelde, mas não o suficiente. Devia ser mais. E controlado naquilo que faço.

22. Qual a sua definição de arte?

A arte não se define. É simplesmente arte.

23. Quais os seus planos para o futuro próximo?

Tenho uma exposição marcada para Janeiro de 2012 no Palácio do Egipto, em Oeiras. Esta exposição vai ter uma componente interessante que é ser dedicada a figuras que mais marcaram a Humanidade, seja pelo positivo ou pelo negativo. Tenho uma exposição na Galeria Galveiras com uma temática mais ecológica a 28 de Abril, na Rua do Alecrim. Também tenho outra no Turismo de Sintra, em Julho.

Exposição de Pintura "Reflexos" de Gustavo Fernandes

quarta-feira, 9 de março de 2011

Entrevista a Rui Carruço por Nídia Faria


É a corrente exposição de pintura de Rui Carruço que colore as paredes da galeria da AZO, em Alfragide. Bancário e de trinta e quatro anos, dedicou grande parte das horas vagas a uma das suas grandes paixões: a pintura. O que começou por ser um hobby na infância e na adolescência catapulta-o hoje para um estatuto de reconhecimento da sua versatilidade enquanto pintor.

“A ARTE NÃO SE DEVE ESGOTAR NAQUILO QUE SE VÊ.”

Humilde, ousado e curioso, o artista fala sobre arte com um sorriso nos olhos. No secundário escolheu a área dos números, mas as telas nunca deixaram de fazer parte da sua vida. Para o artista, ter muito ou pouco tempo não é o mais importante, mas sim como se aproveita esse tempo. Carruço usa-o de forma equilibrada, dedicando parte à sua criação artística. Já expôs no estrangeiro, nomeadamente em Valência, Nova Iorque, Pequim e Varsóvia. Influências é o nome deste seu último trabalho em tela, que ficará exposto na AZO até a próxima sexta-feira, dia 11 de Março. Nesta, homenageia “os monstros consagrados” que influenciaram a sua vida pessoal e profissional, entre os quais se encontram poetas, dramaturgos, escritores, filósofos, arquitectos, escultores, pintores e músicos. Em entrevista, confessa-nos os trunfos que considera essenciais para qualquer artista que almeje ter sucesso: ser, através da sua arte, bom comunicador, provocador, orientador, e um dia, quem sabe, venha a tornar-se num ícone de motivação para as novas gerações.

1. Sei que desde muito cedo começou a pintar e a interessar-se pelo mundo das artes. Com que idade se lembra de perder mais tempo, em pequeno, com a pintura?

Eu acho que comecei como qualquer pessoa. Desenhando bonecadas e todas aquelas coisas que fazemos quando somos pequeninos, não é? Acho que todos passamos por isso. Depois, e de alguma maneira, há pessoas que desenvolvem um gosto adicional ou reforçado sobre uma determinada área. Assim, e dentro da minha formação artística, eu diria que sou maioritariamente autodidacta.
Se bem que a dada altura tirei um curso de desenho na Sociedade Nacional de Belas Artes, depois de gravura, em Lisboa, e um ano mais tarde viajei até Florença para tirar um curso de pintura renascentista. Somente depois, e há cerca de uns dez anos para cá, comecei a encarar a pintura como uma actividade profissional e a iniciar exposições.

2. Tirou dois cursos, nomeadamente de desenho e de pintura renascentista, e participou em vários workshops de artes plásticas. Nos dias de hoje, acaba por ser referido enquanto artista plástico. A que tipos de arte plástica se dedica nos dias de hoje?

Eu gosto da arte em geral. Hoje faço também escultura,  fotografia – embora não exponha - e pinto. Pinto muito! Que é aquilo que mais gosto de fazer. Contudo, para cada técnica existem processos criativos e técnicas de execução diferentes. Em escultura, se for por exemplo em pedra, podemos estar uma, duas, ou quatro semanas a dar vida a uma ideia. Numa pintura já não será bem assim. É de uma execução mais rápida, e, portanto, esgotamos mais depressa a ideia inicial e podemos partir para uma nova. Na prática, quando inspirados, conseguimos produzir mais depressa. Podemos fazer cinco ou seis quadros à mesma velocidade em que fazemos uma gravura ou uma escultura, e quem gosta de criar, gosta de estar constantemente a fazer muitas coisas novas.

2.1. Gosta de se demorar, de não ter qualquer pressa, ou prefere sentir um pouco a pressão de ter de criar, seja a convite de uma exposição, ou para alcançar uma meta pessoal?

Quando se fala da inspiração que os artistas acabam por ter, enveredamos por um caminho muito subjectivo. Creio que os artistas têm sempre diferentes fases. Há fases em somos muito criativos, e fazemos as coisas muito depressa, e há outras em que não nos sai nada. Portanto, eu acho que faz sentido haver alguma pressão, porque todo o artista, de certa forma, precisa de alguma autodisciplina e de se comprometer. Por exemplo, quando eu me comprometo com uma exposição, e resolvo fazer um tema, normalmente procuro alinhar-me com a dimensão da galeria. Se é uma galeria muito grande provavelmente posso produzir numa outra escala, fazer trabalhos de maior dimensão, ou com maior ou menor rapidez.

3. Já alguma vez criou uma colecção temática por sugestão de um galerista?

Às vezes acontece, o que pode não nos dar muito gozo, pois dentro da nossa criatividade gostamos de fazer aquilo que queremos. Por outro lado, também surgem coisas engraçadas que nunca me lembraria de fazer. Por exemplo, já fiz vários retratos a pedido de galeristas que se revelaram muito interessantes, isto porque, apesar de estar condicionado a um determinado tema, este foi um ponto de partida para se poder criar qualquer coisa.

4. Nesta sua exposição na AZO, Influências, também usou o retrato, mas num sentido algo abstracto ou ligeiramente surrealista.

Aqui o ponto de partida foi diferente. Recordo-me que lia um livro de Jean-Paul Sartre sobre a origem da nossa personalidade e as nossas tomadas de decisão. No final, senti necessidade de procurar as minhas principais influências, e, de alguma maneira, perceber também como estas se repercutiram em mim e na sociedade. Portanto, o título do tema é Influências porque eu procuro mostrar quais foram os monstros consagrados que influenciaram e influenciam a minha face artística. Mesmo a nossa personalidade resulta de um conjunto de influências, que podem partir dos nossos pais e das nossas companhias, bem como de referências com as quais nos identifiquemos. Assim, e sendo eu muito ligado às artes, à literatura, à filosofia, à psicologia e à física, acabam por aparecer todas essas personagens que, de alguma maneira, quis destacar dentro dessas áreas. No limite poderei dizer que se tratam de personagens que se transcenderam a elas próprias!

5. Apesar da sua paixão pela arte, decidiu-se por ciências no secundário e por economia na universidade. A pintura continuou a estar presente na sua vida?

Claro que ela continuou presente! Aliás, quando se gosta de arte, ela está presente em tudo, quer faças economia, quer sejas cozinheira. Naturalmente que existem certas áreas, como a publicidade, que têm uma relação directa com as artes. Mas seja como for, em qualquer área, ser-se criativo faz toda a diferença – e a economia não é excepção.

6. O que é que lhe fez escolher economia e não artes?

Eu sempre fui apaixonado por números. Apesar de, infelizmente, não ter tido tempo para apresentar aqui duas figuras ligadas á área: Newton e Einstein. Esse último chegou a ser feito mas não concluído. Deu-me alguns problemas e acabei por não o expor. Ainda assim, a essência da matemática, dos números, essa parte abstracta do raciocínio é fantástica e podemos descobri-la em tudo. Nos trabalhos de Leonardo Da Vinci, por exemplo, que, para quem não sabe, era um matemático exímio, e podemos confirmar isso através do seu legado, como o das medidas dos corpos, das proporções. Acredito que todas as áreas acabam por estar interligadas, de uma maneira ou de outra.

7. O que é arte para si?

Essa é daquelas perguntas que… Bom, já foram escritos livros sobre o tema que nunca mais acabam. A arte não é fácil de definir. Eu diria que é tudo aquilo que provoque os sentidos. Tudo aquilo que, de facto, não seja indiferente e comunique com as pessoas, provocando reacções. Quando a arte deixa de provocar, estará porventura banalizada, e estando banalizada já não é arte. Isto pode ser observado na literatura, na pintura, na escultura, na música, enfim…

8. O Rui é muitas vezes mencionado em entrevistas e em espaços de informação como um artista plástico. Hoje, considera-se essencialmente um artista plástico, um escultor ou um pintor?

Um pintor.

9. Um pintor ou um bancário?

Um pintor.

10. Como distribui o seu tempo para cada uma das suas profissões?

Trabalho nas duas áreas, para determinados projectos e em coisas muito específicas. É uma questão de organização e de foco. Acho que as coisas, para se regerem bem na vida, nunca têm a ver com a quantidade mas com qualidade, com o nosso empenho e dedicação. Portanto, a questão muitas vezes não passa pela quantidade de tempo que se tem disponível, mas pela forma como empregamos esse tempo.

11. Sente que uma das suas facetas profissionais tem um maior peso na sua vida, ou elas estão tão equilibradas quanto o tempo que lhes dedica?

Vivem em equilíbrio, até porque quando sentir algum desequilíbrio tenho de fazer alguma coisa para o repor novamente. Tal como tudo na vida, há sempre uma dualidade – neste caso, vantagens e desvantagens –, mas o facto de a minha fonte de rendimentos não advir somente da pintura não condiciona a minha arte à necessidade de vender, o que, muitas vezes, acontece a muitos colegas meus. Há, pois, situações em que é necessário fazer “pintura mercenária” e ceder ao que é vendável em detrimento da “pintura criativa” – ou seja, aquilo que nos apetece fazer!

12. Em qual dos dois mundos se sente mais realizado?

Aaah, eles complementam-se. As pessoas às vezes não sabem, mas o próprio Matisse era advogado, o próprio Van Gogh chegou a ser padre. Quero dizer, de uma maneira geral, todos eles acabaram por ter uma parte desconhecida que influenciou, em parte, a forma como compreendiam o mundo e o transmitiram, mais tarde, na sua arte.

13. Quando é que a pintura passou de hobby para algo mais sério?

Eu acho que é um caminho inevitável! Quando se pinta, começamos mais tarde ou mais cedo a encaramo-nos como pintores e ficamos definitivamente ligados a esse mundo. Quando isso acontece, estabelecemos amizades. Depois, como resultado dessas amizades, surgem convites para participar em exposições colectivas, ou seja, há sempre alguém que organiza uma exposição, seja temática ou não, e que nos convida. A minha primeira, recordo-me, teve por tema o Elvis Presley. Na altura ganhei até uma menção honrosa. Foi engraçado. Eu aceitei, empenhei-me, e tive dois ou três meses para fazer coisas alusivas a esse tema. Terá sido em 2001 ou 2002. E, depois, tudo acontece. Vamos à inauguração da exposição e conhecemos outros artistas, fazem-se amizades e surgem convites. Portanto, a pintura foi gradualmente tornando-se em algo mais sério.

14. Foi apanhado de surpresa pelo sucesso ou estava à espera de o conseguir?

A arte, nesse aspecto, é muito tramada, porque a maior parte das pessoas associa o êxito às vendas, ou mesmo às galerias onde se expõe. No final do dia creio que não é bem assim. A pintura nisso pode ser ingrata. Por exemplo, podemos sempre ir buscar algumas referências, efectivas, de pintores que viveram sempre muito mal, até serem reconhecidos, não é? A questão de se ser bem sucedido e de nos dar prazer tem de ser algo individual. Tenho de me libertar, de me superar e de me sentir realizado naquilo que faço, independentemente daquilo que me rodeie. (Apesar de o reconhecimento ser necessário, o principal é superarmo-nos e gostarmos daquilo que fazemos. A questão das pessoas gostarem tem de ser uma derivada e não um objectivo, senão é quase como construir a casa pelo telhado, não é?

15. O público tem reagido e aderido bem à sua arte?

Eu sinto que sim. Embora gostasse de ter mais oportunidades para discutir os meus trabalhos com as pessoas. Acho muito importante essa parte. E quando enveredas por uma arte abstracta e simbólica, como é o caso dos quadros desta exposição, mais sentido faz divulgar esse conhecimento. No limite, um quadro é a extensão de quem está a observá-los. Isso é o giro da pintura abstracta, porque discutimos os quadros, partilhamos ideias e começamos a decidir o que é que nos transmitem, e isso deve complementar a pintura. A arte não se deve esgotar naquilo que se vê. Daí definir a arte enquanto provocação.

16. Já expôs fora do país?

Sim, já fiz algumas exposições internacionais, nomeadamente em Nova Iorque, Pequim, Valência, Varsóvia… Uma exposição muito gira, essa última. Foi organizada pela embaixada portuguesa. Recordo-me de que um amigo meu da Fundação Cervantes lançou-me o desafio de expor aí uns trabalhos. Depois descobri que as embaixadas estão muito ligadas à parte cultural, o que é muito interessante. Na altura fui com mais dois pintores, e fomos os primeiros artistas portugueses a expor depois da passagem da Polónia à União Europeia.

17. Bebe um pouco dos vários movimentos artísticos de vanguarda do início do século XX. Na sua pintura parece reunir, nomeadamente, tendências do impressionismo (com o jogo de luzes e cores agressivas, as pinceladas grossas), do surrealismo (com as figuras que ora flutuam, ora repousam no horizonte ou no vazio, não existindo exactamente um contexto ou uma orientação espacial, mas uma sugestão através das cores), e mesmo do cubismo (há certos quadros onde parece reduzir os objectos às suas formas geométricas elementares – como sucede com algumas representações de árvores). Como classificaria o estilo que utilizou nestes quadros, em exposição na AZO?

É difícil fazer encaixar a minha pintura num desses movimentos relativamente regulados. No impressionismo não, pois, por defeito, não existe a noção de linha mas cor, não é? Há impressões de luz. Já o surrealismo, por sua vez, parte de algo que não é racional, do subconsciente. Está muito associado a sonhos. Por outro lado, o cubismo é normalmente associado à geometria. Na prática, olhamos hoje em dia para qualquer pintor e eu diria que é impossível não encontrar na sua arte a influência de todos esses movimentos. Eu já discuti com muitos artistas o tema e quase todos dizem ser impossível inventar uma corrente nova. Está tudo tão explorado, não é?

18. Ainda assim, o Rui criou para si uma forma de expressão artística em pintura – o Sinuosismo. Em que consiste?

A definição “Sinuosismo” surgiu numa brincadeira de um amigo meu, que é professor de literatura, e que eu resolvi manter por achar piada. Ele acabou por pegar no cubismo como eu o trabalhava, nas minhas linhas curvas, nos corpos e nas formas orgânicas, e isso, de alguma forma, é sinuoso. Aliás, quase tudo na vida são mais curvas do que rectas, e ele definiu-me por essa palavra nessa fase.

19. Em três palavras, como se definiria enquanto artista?

Eu hoje acho que sou um artista que, à sua maneira, procura transmitir um conjunto de ideias, de percepções e de mensagens através da pintura. Sou um comunicador. Acho que um quadro tem de comunicar, e, quando conseguimos influenciar ou contagiar alguém, é uma vitória. Por outro lado, quando pinto, o objectivo muitas vezes é por as pessoas a ver as coisas por outra perspectiva – da minha! Nesse sentido, considero-me também um provocador. E, talvez, um orientador. Gosto de acreditar que estes quadros procuram de alguma maneira ajudar as pessoas a ter uma visão mais equilibrada das coisas. É como digo, tudo tem dois lados, e muitas vezes somos taxativos na análise das coisas, ou seja só vemos um deles. Eu gostaria de ser um motivador. Quando o conseguir, estarei de facto realizado.