terça-feira, 19 de abril de 2011

Entrevista a Sofia Monteiro por Nídia Faria

Sofia Monteiro formou-se em arquitectura em Lisboa há catorze anos. Acabou seduzida por design e multimédia, e, após alguns anos de experiência na RadicalMédia e à frente da Seis à Parte, abriu a empresa MediaFoundry, onde é sócia-gerente. Com cinco anos de mergulho e três de fotografia, é com trinta e nove que hoje inaugura a sua primeira exposição, “Somos Feitos de Água” – apresentada na Fábrica de Braço de Prata em Fevereiro –, que ficará na AZO até dia quatro de Maio.

“A água é o meu mundo.”

É dentro de água que todo o espectáculo se passa. Aí, nesse mundo líquido e silencioso, tudo ganha uma energia diferente, ondulante. O espectador sente-se submergir num azul imenso onde a leveza e a beleza do vagar conferem a cada movimento um perfeito slowmotion. Quem mora debaixo de água é Lulaah, a mulher-sereia, cuja pele-pérola ora se esconde, para guardar segredos seus entre os véus, ora se deixa revelar. A cada momento subaquático a sua feminilidade sobe à tona, partilhando connosco instantes de intimidade e de cumplicidade, que alternadamente vão conquistando o cenário num pequeno jogo de sedução. Neste lugar a comunicação é muda mas real, e passa para o espectador através de um olhar curioso, falador, ou da postura de um corpo bonito, entregue à lentidão da água, sem pressa nem rumo. A própria nudez surge com naturalidade, e a brancura da pele reluz num contraste belo com a imensidão azul escura.
 Entre a sedução da quietude e do mover da própria água, experiencia-se então uma paz inexorável que assume uma forma de mulher. Essa forma expande-se em torvelinho entre cabelos, dedos, braços e pernas, sugerindo por vezes um retorno da vida à sua origem, como se a água funcionasse enquanto o ventre de uma mãe e nele estivesse a acontecer vida. “Somos Feitos de Água” é o nome da primeira exposição fotográfica de Sofia Monteiro, que promete surpreender não só por possibilitar ao espectador uma interacção com outra dimensão, mas também por conseguir transmitir, através uma linguagem aquática, o que às vezes as palavras não conseguem: sou mulher.


A Sofia formou-se em arquitectura há catorze anos. Onde?

Na Faculdade de Arquitectura, no Chiado, em Lisboa. Fiz lá a licenciatura, que durou cinco anos. Queria ter continuado e tirado um mestrado em História Estética e Fenomenologia da Arquitectura, que era uma cadeira que havia no quinto ano, muito filosófica, mas era preciso ter uma bolsa, e não consegui. Entretanto, acabei por enveredar por outra área, design, na qual trabalho de momento, e acabei por esquecer o assunto. Mas gostava de ter tirado mesmo esse mestrado…


Tirou arquitectura, mas seguiu design e multimédia. Teve facilidade em encontrar trabalho?


Quando terminei o curso, precisamente porque queria ter tirado o mestrado, voltei ao ateliê de arquitectura onde tinha trabalhado durante o quarto ano. Pagavam-me muitíssimo mal e acabei por sair, e, por coincidência, um colega do meu curso, que estava um ano à frente de mim, tinha formado uma empresa de multimédia e convidou-me para trabalhar com ele. Eu nunca tinha mexido em computadores, fiz o curso todo à mão, mas fiquei com esperança de receber um ordenado melhor que me desse mais tarde para tirar o tal mestrado. Na altura a empresa chamava-se RadicalMédia, e estive quatro a cinco anos a trabalhar lá. Nunca mais me lembrei do mestrado, comecei a adorar a área. Depois, eu mais dois colegas decidimos sair e formar uma empresa de multimédia – os Seis à Parte. Éramos seis sócios e ao final de seis meses a sociedade estava a desfazer-se. Havia pessoas muito inexperientes, muitas opiniões diferentes, não nos entendíamos nada bem. Eu e um dos sócios, Pau Storch, saímos e estivemos um ano e meio a juntar dinheiro para formarmos o que viria a ser a MediaFoundry, agora com quase nove anos. O que nos fez voltar a juntar para formar uma segunda empresa foi sobretudo a experiência de trabalho em conjunto.



O que pretendia com a criação da MediaFoundry?


Trabalhar numa área de que eu gostava muito, mas de uma forma que eu entendia ser a correcta. Enquanto fui empregada de outra pessoa, vivi na pele situações muito injustas, desde a falta de pagamento de ordenados, até uma abordagem aos clientes que eu não considerava correcta.


E decidiu reciclar esse comportamento e criar algo onde o próprio comportamento fosse algo de que se orgulhasse.


Sim. Queria reciclar esse mau comportamento e expandir um bocadinho a área de actuação. Na MediaFoundry trabalhamos com fotografia, com vídeo, com som, e neste momento estamos dedicados às soluções integradas de comunicação, quer seja com um produto, quer seja com uma empresa. Fazemos uma reunião com o cliente, ele conta-nos quais são os seus objectivos, conversa um pouco sobre o que é o seu produto ou a sua empresa, e nós fazemos uma proposta geral de comunicação. Esta pode abranger comunicação em papel, websites e redes sociais.



Há cerca de três anos dedica-se à fotografia de uma forma mais artista, encarando-a, como já me disse, enquanto um projecto-autor. Quais os maiores obstáculos com que se tem deparado no papel de fotógrafa?


Até agora não houve obstáculos. Quer dizer, existe um obstáculo comum a todos os fotógrafos ou a qualquer pessoa que queira investir numa área de que goste muito e que exija um investimento financeiro elevado. É o caso do preço de um bom equipamento fotográfico. Vai-se investindo aos poucos e poucos.



Nunca ficou frustrada pela distorção da realidade que naturalmente sucede quando se fotografa? Por exemplo, estou a lembrar-me da alteração das cores reais dos elementos, que acontece muitas vezes quando se fotografa. Nunca sentiu que a foto tinha ficado aquém daquilo que desejava?


Não. Eu, como estou também na área de edição de imagem, consigo aprender a dar a volta a uma fotografia quando ela não resulta em negativo o que quero. Felizmente existe o ficheiro RAW, que é um negativo digital, através do qual eu consigo fazer o que quiser com a fotografia. Existe uma grande polémica em torno da edição de imagens, se é correcto ou não editá-las. Na área artística não considero que haja problema algum, pelo contrário – há pessoas que até me pedem para tirar uma ruga ou outra. Depende do objectivo. Em fotojornalismo discordo da edição, porque aí o que se pretende é mostrar a realidade. No campo artístico a imaginação é infinita.


Para além da empresa onde é sócia-gerente e da fotografia, tem mais alguma ocupação?


Eu comecei a fazer mergulho há cinco anos, e juntei o útil ao agradável – fotografia e mergulho – há cerca de três anos. Portanto, neste momento, o que me ocupa o tempo, para além do trabalho, é o mergulho e a fotografia.



Ao observar as suas fotos sobre a Natureza não deixei de imaginá-la como uma coleccionadora de cores, de texturas, de sorrisos e de cumplicidades. Os modelos vivos – insectos – são todos fotografados ao pormenor, como que expostos numa festa de pequenas vaidades entre a iridescência das borboletas, a azáfama das abelhas, e a delicadeza das libelinhas. Poder-se-á afirmar que o fotógrafo é um coleccionador de pormenores. Concorda?


Sim, e adoro! Mesmo nas fotografias debaixo de água, antes de ter uma lente macro, eu fazia questão de, na própria edição, olhá-la ao pormenor, e de repente descobria texturas, um espirógrafo, um nudibrânquio, reparava na textura de um peixe. Eu gosto muito de ir ao pormenor. Muito muito muito, e passo horas infinitas a fotografá-los.



Quais os detalhes de vida que mais gosta de capturar com a sua câmara?


Eu neste momento estou a ficar muito interessada na expressão das pessoas. Há pouco tempo não conseguia ainda fotografar pessoas. Sentia-me pouco à-vontade com o incómodo que eu estivesse a causar à outra pessoa. E eu não gosto que a pessoa faça pose, detesto. Gosto muito de fotografar o imediato, só que as pessoas não estão preparadas para isso. Então fotografava amigos! Desconhecidos na rua tinha sempre vontade de fotografar, e nunca conseguia. Agora estou a tentar ultrapassar isso, a tentar vencer a minha timidez, e falar com a pessoa. Caso ela não se sinta confortável, desculpo-me e apago a imagem à frente dela.


Os únicos animais de quatro patas que fotografou foram cães. Já pensou em fotografar animais selvagens?


Claro que já. Aliás, estou com uma viagem a África em mente. Gostava de ir ao Kruguer Park. Quero ter uma lente de longo alcance primeiro. Num futuro próximo vou também a Cuba, para fotografar tubarões e crocodilos. São maravilhosos. Eles próprios têm medo do flash da câmara… Já mergulhei com tubarões martelo no Sudão e no Egipto, e é um animal magnífico. Não é dos mais inocentes, é um bocadinho agressivo, mas se faço um gesto mais brusco ou utilizo o flash, eles fogem. Tenho de mergulhar de manhã, é o ideal. A água é o meu mundo.


Entre a fotografia terrestre e a subaquática, qual a que lhe oferece maior desafio e qual lhe tem dado maior prazer?


Ambos os ambientes oferecem desafios que lhes são muito próprios. A água é uma descoberta constante – nos cenários naturais que nunca se repetem, com seres vivos que não são muito comuns no nosso quotidiano, nas luzes e ambiências quase mágicas – que me oferece a cada mergulho uma experiência nova e completa. O mergulho e a fotografia subaquática preenchem-me.
A fotografia terrestre permite-me descobrir uma outra faceta de um cenário que conheço desde que nasci. De certa forma, consigo redescobrir o que pensava eu já conhecer.
Existe um percurso que adoro fazer a pé desde os dias de faculdade – o chamado passeio romântico, que começa no Largo do Rato; seguindo pela Rua da Escola Politécnica; passando pelo Jardim Botânico (o borboletário é de sonho) em direcção ao Príncipe Real; continuando a descer ao lado do miradouro de São Pedro de Alcântara em direcção ao Largo da Igreja de São Roque, depois até ao Largo de Camões e Chiado - um pequeno desvio para passar pelos teatros São Carlos e São Luís -  continuando a descer pela Rua do Alecrim até ao Cais do Sodré…e depois voltar!
Julgava eu que conhecia bem este percurso…
Espero, por outro lado, começar a descobrir as emoções nas pessoas – não através da expressão fotografada mas através da emoção de quem vê. É engraçado perceber como as pessoas têm reagido a fotografias minhas.
É muito provável que o próximo projecto seja dedicado às emoções.


Curiosamente, no seu site – sofiamonteiro.com – confessa que ter sentido a fotografia tornar-se um trabalho mais sério quando começou a fotografar debaixo da água. Hoje, na exposição “Somos Feitos de Água”, as imagens revelam não paisagem, mas gente no mundo subaquático. Qual a grande sedução que a água exerce sobre si?


É a luz! A luz debaixo de água é de uma beleza indescritível. Só estando lá. A luz, as cores, as texturas, a descoberta que foi e que é poder interagir com um peixe ou com um molusco, com um polvo...


Sente uma paz diferente.


Ah, completamente! É um recarregar de energias. É como entrar num mundo à parte.



Quando tirou um curso de mergulho foi apenas por curiosidade ou para mais tarde complementar a sua arte fotográfica com o curso em questão? Já tinha planeado fotografar o fundo do mar?


 Nada disso. Para mim foi uma surpresa. O curso de mergulho partiu de uma oferta de um casal amigo que já mergulhava. Ofereceram-me um baptismo de mergulho, felizmente de mar, e a partir daí a minha vida mudou. Quero isto para a minha vida, para sempre. Quis tirar o curso e comecei a mergulhar incansavelmente. Há vários níveis, e eu de momento já estou quase a terminar o Dive Master, que já me permite acompanhar os instrutores, e depois, com a continuação da formação, já poderei dar eu os cursos. Dar aulas é muito engraçado. Se Deus quiser, hei de chegar ao nível de instrutor e espero poder dar aulas. Adorava!



A exposição deste Sábado, dia dezasseis de Abril, aqui na AZO, esteve anteriormente na Fábrica de Prata de dia três a dia vinte e sete de Fevereiro. Aí, a essência do corpo humano e a da alma parece ficar a descoberto, talvez pelas imagens, que adquirirem uma perspectiva íntima e envolvente graças à própria nudez e à forma com esta é exposta – delicada, apesar de sedutora. O que é que queriam dar a entender?


Acho que um momento muito feminino. São várias formas de a mulher se entender a si própria e se dar a  entender aos outros. Há fotografias em que ela comunica muito com o espectador, há outras em que ela se volta muito para si própria. Acabámos por explorar a forma de comunicação da mulher, com ela mesma, com os outros.


Num jogo de esconde-esconde, por entre os véus submersos, o corpo feminino é revelador e misterioso em simultâneo. Usou os véus para que efeito?


Foi para cria toda essa nuance. Não queria mostrar o óbvio, então brincámos com o tecido debaixo de água. Criaram-se efeitos de sedução e de mistério. A ideia de leveza. Quis brincar com o movimento dos tecidos na água.


A sessão passou-se numa piscina, mas depois editou a cor da água. Era sua intenção fazer crer que tinha fotografado no mar?


Não, de todo. A cor escura era para criar um maior mistério, mas há dois momentos genuínos na sessão. O momento azul, mais frontal, onde a Lulaah comunica mais, e o momento negro, mais intimista, onde muitas vezes o corpo parece estar desconstruído, escondido entre véus.


Como encara a fotografia?


A fotografia é uma forma de estar comigo própria, é quase uma forma introspectiva de nos expressarmos e de descansarmos. Consigo estar horas infinitas a fotografar uma borboleta ou à espera de um pôr-do-sol.


Num momento de autoavaliação, enquanto fotógrafa como é que se define em três palavras?


Descobridora, sempre. Há uma característica que me acompanha indefinidamente, a humildade. E apaixonada.


Tem algum projecto futuro, para além das viagens a Cuba e a África?


Sim. De momento estou a montar um estúdio em Cascais, praticamente pronto. Acabei de comprar uns tecidos, já temos as softboxes, as luzes, tudo. E vou começar a fotografar proximamente pessoas. Tenho algumas ideias que irão envolver muito boa maquilhagem, adereços e pessoas com expressões fortes, espontâneas.

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